Projeto Ophelia (2010)
Ophelia na obra de William Shakespeare explora a complexidade das realidade humanas. Flerta com a cultura pagã, já é uma obra contemplada pela subjetividade e inagura o sujeito moderno, deixando a interpretação do conteúdo simbólico para o leitor. Escrita entre 1585 e 1601, é possuidora de uma temporalidade surpreendente, já que pode ser transportada para os dias de hoje. Essa questão aliás, foi o que motivou meu mergulho em Ophelia. Hamlet é um príncipe atormentado que deseja vingar o pai. Ophelia o ama, porém é utilizada como ferramenta política. Hamlet a deseja mas não confia nela, pois para ele, a figura de uma mulher desde sua mãe Gertrudes, que não aguarda o luto do pai e logo casa-se novamente. A cena da morte, entre os salgueiros, descreve o suposto afogamento:
Onde um salgueiro cresce sobre o arroio, E espelha as flores cor de cinza na água; Ali, com suas líricas grinaldas De urtigas, margaridas e rinúnculos, E as longas flores de purpúrea cor A que os pastores dão um nome obsceno E as virgens chamam de "dedos de defunto", Subindo aos galhos para pendurar Essas coroas vegetais nos ramos, Pérfido, um galho se partiu de súbito, Fazendo-a despencar-se e às suas flores Dentro do riacho. Suas longas vestes Se abriram, flutuando sobre as águas; Como sereia assim ficou, cantando Velhas canções, apenas uns segundos, Inconsciente da própria desventura, Ou como um ser nascido e acostumado Nesse elemento; mas durou bem pouco Até que as suas vestes encharcadas A levassem, envolta em melodias, A sufocar no lodo. (Hamlet, Shakespeare-p.145)
Ophelia se afogando é um ícone romântico e escapista, resgatado no fim do século XIX pelos pré-rafaelitas. Há o indivíduo cristão que deve se sacrificar em nome de algo e há a alma, e com ela, tormento. A condição de saber que não somos livres e não temos escolha nos proporciona uma desilusão que nos leva à loucura. Ophelia enlouquece por ter se dobrado para dentro, como Felix Guattari descreve aquele que desiste de lutar. Esta dobra para dentro é a solidão e nela encontramos nossa natureza selvagem. Aloneless, inteiramente em si, é um fenômeno moderno. O sujeito e a consciência de si é consequência de dispositivos que não queriam que o rebanho se perdesse. Através do conhecimento de cada indivíduo, o que acontecia através da confissão, as disciplinas normalizantes foram se expandindo (foucault) pois os indivíduos foram condenados à condução. O indivíduo que surge imprime o que existe dentro para fora, do interior para seu exterior. Ophelia perde-se por ter se deixado ser conduzida, o sujeito moderno não é nada se ninguém o reconhecer.
A morte de Ophelia foi a morte em vida, uma forma de confinamento que a depressão proporciona. O confinamento é parte do processo disciplinar e aqueles que não cabiam nas instituições displinadoras (escola, fábrica, igreja e quartéis eram os anormais, para eles se destinava a prisão e hospícios, pois a loucura era inadmissível nas novas formações urbanas. As mulheres (e tudo que pareça feminino) sofreram com todo processo civilizador da Sociedade disciplinar. Hoje, na Sociedade de controle de Deleuze, nos confinamos, nos medicamos e submetemos o nosso corpo à dominação. As garotas que se identificaram com Ophelia estão confinadas em seu quarto, dobradas sobre si mesmo. Morte em vida, já que o confinamento e controle químico acontece por conta própria.
A água que Ophelia se afunda é a mudança de humor, o sexo, os fluxos e influxos. Para Damásio o cérebro é responsável pela dor assimilada pelo cérebro. Sem corpo não teríamos dor pois é a adrenalina ou a serotonina que o cérebro libera após as experiências que causam impacto no corpo. O corpo é que sente. O cérebro memoriza. A dor pode ser esquecida caso você seja anestesiado, dopado, drogado ou libere ocitocina.
Ophelia é vítima de homens ressentidos com mulheres. Os homens devem deixar de se ressentir com mulheres. As mulheres devem lutar contra a opressão que esse ressentimento construído historicamente acumula. A morte não trará felicidade e sim a luta, diária, molecular, esta sim irá transformar esse mundo desenhado para os homens em um mundo também desenhado para mulheres ou para tudo que pareça feminino e é demonizado. As mulheres precisam aprender a sofrer e a desejar o sofrimento, confiar na intuição e buscar tudo de si em busca da liberdade para escapar da dominação.